
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
É no mínimo curioso que os desafios que a Rede Globo tem no atual contexto se assemelham aos da esquerda: criar canais de comunicação mais diretos com o popular brasileiro. No final de semana, a Marcha para Jesus ganhou espaço nobre em todos os telejornais da emissora. Ao mesmo tempo, o ator Paulo Vieira inaugurava sua séria televisiva, Pablo e Luisão, inspirada na relação de seu pai com o melhor amigo. Memórias do Brasil profundo, em Tocantins.
A atenção à Marcha para Jesus reflete as tentativas de aproximação com as religiões neopentecostais, que cresceram vertiginosamente nas periferias brasileiras, e são uma das maiores bases da extrema direita. Já a série Pablo e Luisão investe no humor para falar do jogo de cintura, da criatividade popular para driblar as intempéries da vida e a pobreza. Airton Graça e Dira Paes interpretam os pais de Paulo, que quebra a quarta parede para contextualizar as histórias contadas.
O mesmo Paulo Vieira foi o primeiro convidado da nova fase do Mano a Mano, podcast de entrevistas muito bem conduzido por Mano Brown e Semayat Oliveira. Conversas longas, inteligentes, espontâneas, se contrapõem às línguas burocráticas que dominam parte do jornalismo profissional. O tema da Rede Globo ocupa parte considerável da entrevista, a liberdade ou a falta dela. Paulo Vieira, sagaz, lembra que o enunciado Globo Lixo era palavra de ordem da esquerda e hoje é utilizado pela extrema direita. O ator fala de seu interesse e paixão pelo Brasil.
Enquanto isso, o cinema brasileiro é duplamente premiado em Cannes: melhor diretor para Kleber Mendonça Filho e melhor ator para Wagner Moura no filme “O agente Secreto”. Acontecimento que revela um bom momento de nossa indústria e sua possibilidade de crescimento.
Na Folha de S. Paulo de domingo, André Sturm, presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo, saúda o bom momento e lembra a importância da regulamentação das plataformas para aumentar a fonte de recursos para os fundos audiovisuais. Parte dos lucros das plataformas de streaming no Brasil seriam destinados a políticas públicas de apoio à produção brasileira. “As plataformas e as televisões concordam com essa regulação. Falta ajustar os percentuais em valores que sejam viáveis”, escreve.
Ainda na Folha de domingo, Danichi Hausen Mizoguchi, professor da Universidade Federal Fluminense, em crítica sobre a bela turnê de Gilberto Gil, Tempo Rei, lembra a agem do artista pelo Ministério da Cultura do primeiro governo Lula. No discurso de posse, Gil dizia que o Ministério deveria ser, “como uma luz que revela no ado e no presente, as coisas e os signos que fizeram e fazem do Brasil, o Brasil”. Clarear caminhos, abrir barreiras, fazer um do in antropológico no corpo cultural do país, avivar o velho e atiçar o novo. Para Gilberto Gil, a cultura é força econômica, simbólica e cidadã.
Esse imaginário progressista da cultura pode ser um espaço de resistência contra o obscurantismo. Desde a pandemia, reaprendemos o valor da expressão cultural na construção de imaginários e sentidos. E se o noticiário político parece pouco crítico em relação às forças da extrema direita, o espaço cultural ganha cores mais vivas. Mídias são espaços de disputas, refletem sutis mudanças, por mais que se tente controlar os sentidos. Há frestas por onde respiram outras histórias.
Em vídeo que circulou muito na ocasião do Oscar de filme estrangeiro para “Ainda estou aqui”, Fernanda Torres dizia que tem pena de o mundo não conhecer o Brasil e ressalta o grande interesse que temos por nós mesmos. Há tantos filmes, programas de TV, canções a serem feitas.
Olhando para trás, percebe-se o papel que a cultura teve durante a ditadura militar, no cinema, na música, no jornalismo de resistência, no teatro, nas artes plásticas. Parece ser esse fio discursivo que renasce agora, como uma brasa dormida. O mundo é outro, mas o tempo é rei.
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Pedro Varoni é jornalista, professor do Departamento de Letras, da Pós-Graduação em Linguística e do Mestrado Profissional em conteúdo multiplataforma da UFSCar.