
(Foto: Julita/Pixabay)
… e os seus dias serão cento e vinte anos (Gênesis 6:3)
Em recente artigo no jornal britânico The Guardian (15/05/2025) o economista e professor da London Business School, Andrew John Scott, alerta que as economias das nações devem estar preparadas para a mudança demográfica que já está ocorrendo no mundo.
Autor do livro The Longevity Imperative: Building a Better Society for Healthier, Longer Lives (O Imperativo da Longevidade: Construindo uma Sociedade Melhor para Vidas Mais Longas e Saudáveis), publicado em 2024, Scott afirma que os sistemas de saúde, educação e, principalmente, de trabalho precisam ser revistos diante desse novo cenário. Em dezembro de 2020, a Assembleia Geral das Nações Unidas já havia declarado o período de 2021 a 2030 como a Década do Envelhecimento Saudável, com destaque para quatro iniciativas: mudar a forma de ver o idoso; capacitar e integrar; prover serviços de saúde integrados; e promover cuidados de longa duração.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) já fez um alerta de que o avanço da idade média das populações representa um desafio direto ao crescimento global e à estabilidade fiscal de muitos países. Em seu mais recente relatório “Panorama Econômico Mundial” (World Economic Outlook – WEO), divulgado em abril, a instituição considerou o momento atual crítico, apontando para uma desaceleração do crescimento global.
Segundo o órgão, as políticas precisam ser calibradas para reduzir os desequilíbrios internos e externos, com a criação de reservas financeiras que promovam o envelhecimento saudável. Projeções indicam que o envelhecimento pode reduzir a taxa de crescimento global em até 0,6% ao ano, pressionando os sistemas previdenciários. Um impacto nos gastos públicos que, se somadas às guerras e crises climáticas, poucas economias irão ar.
Um exemplo é a Ucrânia em guerra, que precisará de investimentos aproximados de 486 bilhões de dólares na próxima década para a recuperação e reconstrução, como estima o FMI. Nos Estados Unidos, os desastres climáticos causam prejuízos de 150 bilhões de dólares, em média, anualmente. No Brasil, as inundações do Rio Grande do Sul, no ano ado, custaram aos cofres públicos, de acordo com o governo federal, 112 bilhões de reais.
Faixa de cem anos cresce
Conforme dados da ONU, a faixa etária que mais cresce atualmente é justamente a que abrange as pessoas de 100 anos. “Em 1950, estimava-se que havia 14 mil pessoas centenárias, enquanto hoje são quase 750 mil, com projeção de quase 4 milhões até 2054”, escreve o economista inglês, também autor do best-seller The 100-Year Life (2021), com mais de 1 milhão de exemplares publicados em 15 idiomas.
Scott observa que “o número de anos que provavelmente viveremos aumentou mais do que o número de anos que provavelmente permaneceremos saudáveis”, e balancear essa equação é fundamental para uma existência longa e proveitosa. Para isso, em princípio, é necessário seguir as receitas de bom senso já conhecidas pela maioria das pessoas, mas nem sempre levadas a sério, como boa alimentação e sono, mais exercícios e respeitar as recomendações médicas.
Mas, a autodisciplina não é tudo. De acordo com Scott, “felizmente, envelhecer bem está se tornando uma indústria, e podemos esperar apoio do progresso tecnológico e científico e de mudanças nas políticas governamentais”. Se em séculos anteriores doenças como a peste, varíola e cólera, por exemplo, matavam as pessoas ainda jovens, agora, a principal causa das doenças e mortes está relacionada ao envelhecimento.
Diante desse cenário que se aproxima, governos precisam se preparar para os anos extras que as pessoas vão acumular. Um desafio que já pauta as agendas de es, empresas e serviços públicos responsáveis em atender as demandas dessa parcela da população. E uma das preocupações mais visíveis e discutidas é o pagamento de aposentadorias e pensões para os trabalhadores diante da perspectiva concreta de maior longevidade.
Então, viver mais pode exigir trabalhar mais para manter o padrão de vida. Scott acredita que somente aumentar a idade da aposentadoria, como muitos países estão procedendo, não resolveria o problema. “Precisamos de mudanças que nos ajudem a trabalhar por mais tempo, e não apenas nos obriguem a fazê-lo”, considera.
Ele acredita que é preciso criar uma estrutura de trabalho mais flexível, com mudanças e transições de carreira mais frequentes no sentido de que a ocupação vai prolongar nossa vida profissional e não sobrecarregá-la. O objetivo seria oferecer um tempo para requalificar e melhorar a saúde, cuidar da família, alternando entre trabalho em tempo integral, meio período ou, simplesmente, sem jornada.
Para isso é preciso ter em mente a “compreensão da biologia do envelhecimento”, que são os processos que diminuem lentamente os componentes físicos do nosso corpo. “Desacelerar esses processos reduziria substancialmente a diferença entre a expectativa de vida saudável e a expectativa de vida”, reforça.
Políticas inclusivas
Um dos países que mais tem investido em ambientes favoráveis aos idosos é o Japão, que tem a maior população centenária do mundo. Somam 95.119 pessoas, de acordo com o censo do país divulgado em outubro de 2024, um aumento de 2.980 em relação ao ano anterior, a maioria mulheres (83%).
A política a favor do idoso, informa a plataforma Nipon.com, teve início no século ado, em 1963, com a promulgação da Lei de Bem-Estar Social para Idosos. Na época, havia 153 japoneses centenários. Esse número ultraou mil, em 1981, e chegou a 10 mil em 1998, e desde então vem aumentando continuadamente.
Em dezembro do ano ado a BNN Blomberg divulgou que as maiores corretoras de valores do Japão estavam aumentando os salários e benefícios para os trabalhadores que atingiam a idade de aposentadoria, com intuito de reter as pessoas capacitadas. Se, em anos ados, funcionários com mais de 60 anos enfrentavam uma queda acentuada no salário ao serem reitidos, além de serem relocados para funções menos importantes, agora a situação era outra. A reportagem citava bancos e instituições financeiras japonesas que estavam promovendo ou planejavam implementar melhorias salariais de até 40%, ampliando benefícios sociais com foco nos funcionários com mais de 60 anos.
Na Inglaterra, pessoas que trabalharam mais de 30 anos em escritórios fechados prosseguiam ativas, mas de outra maneira. Reportagem mostrou que atualmente exercem atividades de guardas florestais em parque públicos, agentes comunitários em programas sociais ao ar livre, recepcionistas em fazendas recebendo colegiais e gestores de zoológicos, entre outras atividades. Todos se declarando mais felizes em seus novos empregos (The Guardian, 18/5/2025).
Sem reserva financeira
No Brasil, uma série de reportagens da Gazeta do Povo, de Curitiba, sobre o envelhecimento populacional no país, revelou o despreparo da sociedade quando se trata de matéria financeira. A baixa capacidade de poupança (14,5% do PIB no fim de 2024) e de investimentos financeiros (apenas 37% dos brasileiros afirmaram que realizaram aplicações financeiras), segundo o IBGE, é agravada pela apuração de que 82% das pessoas não aposentadas ainda não iniciaram uma reserva financeira para a velhice. Se, em 2023 a intenção de poupar para a velhice era de 58% dos entrevistados, em 2024 o percentual baixou para 53%.
Lembrando que em duas décadas a proporção da população de idosos no Brasil duplicou, saltando de 8,7% para 15,6% e que a estimativa do IBGE é que atinja 38% (pessoas acima dos 60 anos) em 2070. Informação divulgada pelo próprio INSS mostra que 70% dos pagamentos previdenciários feitos pelo instituto são de até um salário-mínimo (R$ 1.831), totalizando 28,5 milhões de pessoas. Valor muito aquém do necessário para uma sobrevivência digna.
Outro registro preocupante diz respeito à produtividade no trabalho. Dados do FGV Ibre apontam que entre 1981 e 2024 o aumento da produtividade foi de 0,5% ao ano, e que nos últimos cinco anos foi ainda menor (0,3%).
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Sheila Sacks é jornalista, formada pela PUC/RJ. Trabalhou como Técnico de Comunicação Social no serviço público de 1982 a 2024.