Quinta-feira, 12 de junho de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1342

A revalorização da notícia como meta básica do jornalismo digital 323p5d

(Foto: Pexels por Pixabay)

A sobrevivência do jornalismo está diretamente relacionada à forma como as pessoas valorizam a notícia. É o que se deduz de uma série de pesquisas feitas nos Estados Unidos e na Europa que sinalizam uma crescente perda de importância do noticiário da imprensa na agenda diária da população de grandes e médias cidades. Trata-se de uma questão de extrema relevância para o jornalismo, pois a notícia é a matéria-prima da profissão, logo a responsável pela sobrevivência de repórteres, editores, comentaristas, ilustradores, produtores e programadores.

Por isto a valorização da notícia se transformou no desafio mais importante do jornalismo contemporâneo, mais do que processos, métodos e ferramentas como a inteligência artificial, a desertificação informativa, o enxugamento das redações, a luta contra as plataformas digitais e a regulamentação das redes sociais. Quando as pessoas deixam de tratar a notícia como um item importante na sua vida, o jornalismo perde sua função como ligação entre os indivíduos e a realidade que os cerca. Torna-se um mero empacotador de dados, fatos e eventos para consumo massivo e rápido.

A revalorização da notícia é um processo complexo porque não se trata apenas de dar uma nova cara a um produto que perdeu atratividade e importância comercial. Os indicadores deste processo de perda de relevância da notícia jornalística estão na queda de credibilidade da imprensa, no fechamento de jornais, na migração do público para plataformas digitais e no chamado ‘negacionismo informativo’ (pessoas que deixaram de ler jornais, ouvir programas radiofônicos noticiosos, telejornais e ar sites jornalísticos na internet). Isto aconteceu porque as pessoas simplesmente não veem o noticiário jornalístico corrente como um item de primeira necessidade no seu quotidiano.

Agenda divorciada da realidade

A perda de relevância da notícia no dia a dia das pessoas tem entre suas origens no fato das pesquisas e estudos sobre interesses do público se apoiarem em dados quantitativos que são ótimos para detectar tendências globais em grandes amostras populacionais. Acontece que as métricas baseadas em números e estatísticas não conseguem captar as necessidades informativas no nível local e hiperlocal que é onde mais prospera o negacionismo informativo.

A avalancha informativa, as fake news e a desinformação encheram as pessoas comuns de dúvidas, principalmente sobre itens do dia a dia, enquanto a imprensa ou a priorizar o noticiário sobre a luta pelo poder político e pela hegemonia econômico-financeira dos conglomerados empresariais. Pesquisas feitas por instituições como o Center for Cooperative Media, no estado norte-americano de Nova Jersey mostraram que as pessoas querem saber onde comprar carne mais barata, quais os horários de ônibus ou trens, onde e quando podem se vacinar, como reclamar da falta de coleta de lixo na sua rua, só para citar exemplos comuns.

É público e notório que a imprensa em geral segue uma agenda noticiosa que privilegia temas relacionados aos interesses das elites políticas, empresariais, culturais e militares, o que distancia o jornalismo da realidade concreta da esmagadora maioria das pessoas. O divórcio noticioso só é quebrado na cobertura de catástrofes naturais, tragédias, violência urbana e esporte. Isto contrasta com o aumento da necessidade de informações sobre questões que afetam diretamente o quotidiano das pessoas, justo o segmento social mais atingido pelo processo de ‘desertificação’ noticiosa.

Como resolver o problema?

Há várias outras causas para a perda de importância da notícia, mas o mais importante e urgente agora é explorar estratégias para resolver o problema. A pergunta óbvia é que tipo de notícia é indispensável hoje para as pessoas? Até agora a resposta convencional era contribuir com dados e fatos capazes de condicionar a formação de bons cidadãos bem como patrulhar o exercício do poder tanto político como empresarial. Só que estes objetivos não atendem mais a todas às necessidades das pessoas em matéria de notícias.

Um projeto chamado Método Público, desenvolvido por pesquisadores holandeses, é uma das mais recentes experiências visando identificar o valor (não monetário) de uma notícia. O modelo procura detectar as necessidades informativas de pessoas e comunidades ao relacionar parâmetros individuais como percepção, compreensão, envolvimento e ação, e de parâmetros sociais disseminação, agendamento, representatividade e responsabilização.

É um sistema cuja utilidade está sendo provada na rede de televisão NPO para uniformizar os procedimentos dos jornalistas na hora de determinar o que deve ou não ser noticiado. Os resultados, segundo um artigo publicado no site journalism.co.uk, têm sido positivos, e devem ser incorporados à rotina diária dos jornalistas da emissora ainda este ano. A dúvida, no entanto, é qual será a efetividade do método na identificação das ‘micro preocupações’, a nível de bairro ou pequena cidade.

Os pesquisadores Andrea Wenzel e Jacob Nelson apontam o engajamento direto dos jornalistas na vida das comunidades como a ferramenta mais eficiente para descobrir o que as pessoas desejam e necessitam em matéria de informação. A estratégia do engajamento está sendo particularmente exitosa junto ao público jovem como mostram as pesquisas do professor Damian Radcliffe, da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos.

A corrida do jornalismo em direção à inteligência artificial pode ser mais lucrativa como negócio, mas a revalorização da notícia é muito mais importante e urgente para o futuro do jornalismo.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.