
( Foto: Lula Marques/Agência Brasil)
O Projeto de Lei n.º 2.159/2021, aprovado na última quarta-feira (21/05) pelo Senado Federal, altera as regras para o licenciamento ambiental no país. Alterar as regras é um modo tímido de dizer que o projeto detona a atual legislação ambiental em um “golpe de morte”, como descrito pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante evento em comemoração ao Dia Internacional da Biodiversidade. A necessidade de uma atualização da Lei Geral para o Licenciamento Ambiental é defendida tanto por ambientalistas quanto por setores do agronegócio e da infraestrutura – a alta burocratização custa ao Estado e judicializa processos em excesso, que barram iniciativas e empreendimentos pelo Brasil. No entanto, a atualização da lei precisa ser concordante com a legislação ambiental atual, assim como com a Constituição – como o princípio da proibição do retrocesso em direito ambiental.
O PL inclui entre suas várias mudanças a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que dispensa a análise vigente pela autodeclaração (de boa-fé) do responsável, que irá cumprir com as exigências de proteção ambiental. O projeto, em sua versão atual, permite que empreendimentos avancem mesmo com pareceres contrários de órgãos fiscalizadores; limita a área de impacto ambiental avaliada e a consulta às comunidades locais, que seriam afetadas diretamente. Inclusive, terras indígenas e quilombolas em avaliação (ainda não demarcadas) não serão consideradas, diminuindo as suas presenças nos processos.
A proposta busca “simplificar”, “flexibilizar”, “desburocratizar”, “facilitar” e“reordenar” os processos de licenciamento para empreendimentos de baixo e alto impacto poluente pelo Brasil. Essas aspas são de notícias da última semana, de 19 até 27 de maio, analisadas com o objetivo de observar como os principais jornais mainstream do País, O Globo, Folha de S. Paulo e Estadão, têm repercutido o assunto. Após a coleta dos conteúdos que tratam sobre a pauta, identificamos o posicionamento editorial dos veículos, assim como a frequência e enfoque da cobertura noticiosa no período.
Os três veículos analisados publicaram editoriais sobre o tema. Na Folha de S.Paulo, a crítica ao PL centrou-se no governo Lula, destacando que o governo não teria uma política ambiental clara – ora endossando os discursos de Marina Silva, ora satisfazendo os interesses da bancada ruralista.
O editorial d’O Globo também critica o PL, sinalizando que ele pode ter efeito contrário, tornando ainda mais lento e complicado o licenciamento ambiental no Brasil, com mais judicialização e contestações de eventuais problemas. O editorial ainda indica a destruição do meio ambiente como prejudicial para os negócios, destacadamente a agropecuária. Para o veículo, a suposta oposição entre o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente é “falsa e enganadora”, sendo ambos necessários.
Já o Estadão, posicionou-se de forma contrastante, apoiando a aprovação do projeto. Para o veículo, o processo atual é visto como “entrave descabido ao desenvolvimento do País”, especialmente para pastas ligadas à infraestrutura. O editorial também utiliza os recentes dados do MapBiomas para defender a “mudança de foco do combate ao desmate para as atividades criminosas, como a grilagem, o garimpo ilegal (…)”. Para o jornal, as críticas ao projeto como habilitador do desmatamento não condizem com a realidade, já que “há uma minoria que desmata muito, e é para esse grupo que os órgãos de controle devem apontar suas baterias.”
Na Folha de S. Paulo, das 14 publicações sobre o tema no período, 5 são de colunistas (textos de opinião); e 8 são notícias, sendo 7 de autoria da Folha e uma da BBC, e todas localizadas na editoria Ambiente. Essas notícias contextualizam a proposta do PL como via para acelerar a implementação de atividades econômicas, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
A exploração de petróleo é defendida pelo atual presidente e tem entre seus opositores o próprio governo por via do Ministério do Meio Ambiente. O governo Lula, no entanto, ainda não declarou se será contra ou a favor do projeto, e como vai se posicionar quando este chegar ao plenário. Nas matérias da Folha, o projeto foi mencionado diversas vezes como uma derrota para Marina Silva, que estaria isolada no governo. Também, em todas as notícias da Folha, estavam presentes contrapontos dos danos ambientais possibilitados pelo PL. Em 6 das 7 matérias autorais foram mencionadas as comunidades tradicionais que seriam afetadas.
No jornal O Globo, das 30 publicações encontradas, 14 faziam parte de blogs e colunas, e 16 eram notícias. Das 16, 9 estavam na editoria Brasil, 7 na editoria Meio Ambiente, e uma na editoria Política. Todas as notícias tinham contraponto sobre impacto ambiental, e 6 mencionaram povos tradicionais no processo de licenciamento. Ambos os jornais trouxeram uma cobertura similar sobre o PL, apresentando os enfoques ambientais e econômicos.
Já no Estadão, das 14 publicações sobre o tema, 5 eram textos opinativos (um deles da relatora do projeto, Tereza Cristina), e 9 eram notícias. Das notícias autorais, 7 estavam na editoria de Economia, e 2 estavam na editoria de Sustentabilidade. Além de um foco bastante econômico e com pouca abertura para discussão sobre a oposição ao projeto, apenas uma notícia cita comunidades tradicionais no projeto de lei.
O breve acompanhamento realizado demonstra que no âmbito da produção noticiosa os veículos mainstream trazem os contrapontos – embora o Estadão tenha centrado a cobertura na economia e explicitado em seu editorial os benefícios de um regramento mais flexível para os empreendedores. Folha de S. Paulo e O Globo se dedicaram mais ao tema com perspectiva ambiental e atenção às comunidades tradicionais, embora seja possível questionar as intenções que atravessam seus editoriais, para além da própria discussão do PL. A ideia da devastação, associada ao PL pelos setores mais críticos, foi minimizada, sendo apresentada nas declarações de ambientalistas.
Pelo seu alcance e histórico, os veículos mainstream seguem sendo atores importantes, que influenciam o debate público. Logo, estarmos atentos a como esse assunto é reportado importa para compreender as reações sociais acerca do debate. O licenciamento ambiental é um tema bastante técnico e complexo que nem sempre atrai o interesse de públicos não especializados ou daqueles que não possuem interesses interligados. Entretanto, este é um procedimento que busca garantir maior cuidado com o meio ambiente, que diz respeito a todos nós.
A influência da cobertura de um tema por jornais mainstream é concreta: pauta a agenda pública, as discussões de políticas públicas, as demandas e os protestos comunitários, e até a mudanças na legislação. O enquadramento de uma notícia contribui com o entendimento que os leitores terão sobre o tema, e como vão inseri-lo nos seus significados de mundo. No caso de temáticas do meio ambiente, o isolamento da discussão em editorias exclusivas à “sustentabilidade” e “meio ambiente”, ou restritas a pequenos poréns em notícias econômicas, alinham-se à exclusão sistemática da pauta, reforçando a separação entre aspectos sociais, econômicos e ambientais.
Publicado originalmente em Observatório de Jornalismo Ambiental,
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Nico Costamilan é estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e bolsista do Observatório de Jornalismo Ambiental E-mail: [email protected]
Eloisa Beling Loose é professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenadora do Observatório de Jornalismo Ambiental e do Laboratório de Comunicação Climática. E-mail: [email protected].