Quinta-feira, 12 de junho de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1342

Tímida e hipocritamente, mídia ensaia denúncia sobre alguns crimes de Israel 574s1r

(Foto: Peggy und Marco Lachmann-Anke/Pixabay)

No cenário geopolítico contemporâneo, os meios de comunicação de massa desempenham uma função dialética. Comumente, os grandes grupos de mídia ocidentais – sobretudo as agências de notícias internacionais – têm como linha editorial predominante legitimar as agendas externas dos países imperialistas. Por outro lado, certas imagens de áreas de guerras e massacres podem contradizer o discurso hegemônico, levando o público a conhecer o que realmente acontece no planeta, para além das narrativas midiáticas.

A geopolítica palestina pós-Operação Dilúvio de Al-Aqsa é um exemplo emblemático do que foi descrito acima. Quando ocorreu a ofensiva da resistência palestina no sul do Estado de Israel, liderada pelo Hamas, a grande mídia ocidental (e também a brasileira) construiu a narrativa de “atentado terrorista” e “conflito Israel-Hamas”. As oito décadas de genocídio palestino por parte do Estado de Israel foram estrategicamente omitidas.

Assim, foi feita uma tábula rasa sobre as relações entre israelenses e palestinos. No máximo, houve aquilo que conhecemos como “dois ladismos”, entre Hamas e Netanyahu. Colocaram no mesmo patamar a resistência do oprimido-colonizado e a violência do opressor-colonizador.

No entanto, Gaza tem se constituído no primeiro genocídio instagramável da história. Por mais que a grande mídia tenha insistido na narrativa de “defesa de Israel”, as imagens que vimos do enclave palestino nos dizem o contrário. Além disso, os recentes acontecimentos – como o relatório da ONU sobre 14 mil bebês que podem morrer em Gaza por falta de alimentos e os discursos de Netanyahu e Trump, que não escondem a solução final para a questão palestina – forçaram os grupos midiáticos a rever (em parte) os conteúdos dos noticiários internacionais.

Mesmo o canal oficial do sionismo no Brasil, a GloboNews, não pôde deixar de exibir imagens da calamidade na Faixa Gaza. No jornal O Globo, Dorrit Harazim chamou o que acontece no enclave palestino por seu devido nome: genocídio. Também acusou os Estados Unidos de apoiarem a erradicação da vida civil em Gaza. No final de seu texto, Dorrit alerta que é horrendo que continuemos a assistir calmamente ao estrangulamento do povo palestino.

Em um podcast, também do Grupo Globo, Natuza Nery ouviu o relato da palestina Assmaa Abo Eldijian, que afirmou sobre as ações de Israel: “Estão atacando a gente com fome, com sede”. Já uma matéria do Jornal da Band, a partir da entrevista de uma enfermeira da ONG Médicos sem Fronteiras, descreveu a situação em Gaza como “limpeza étnica”, “massacre” e “catástrofe humanitária”.

É importante frisar que essa limpeza étnica denunciada na matéria não começou agora. Tem pelo menos oito décadas. Como dito, por causa das imagens fortes que nos chegam de Gaza, a grande mídia brasileira, ainda que de maneira tímida, já não consegue mais negar as atrocidades de Israel. Tem que noticiar!

Mas ainda tenta, de alguma forma, limpar a imagem de cúmplice do sionismo. E só faz isso porque há uma tendência global. Outros veículos de imprensa ocidentais e líderes europeus estão criticando Israel, não pelo seu histórico genocida, mas somente pelo recente bloqueio da entrada de alimentos e remédios em Gaza.

Muitos, inclusive, só culpam Netanyahu pelo que acontece, negligenciando o fato de se tratar de uma “política de Estado”, e não “política de governo”. Quando a questão é colocar em prática a matança de palestinos, não há diferenças entre Nikud (extrema direita) e Partido Trabalhista (suposta esquerda da política israelense).

Lembrando que, há duas décadas, Gaza é uma prisão a céu aberto. Nada (e ninguém) entra, nem sai, sem o aval do governo israelense, que controla de maneira remota o enclave palestino, por terra, ar e mar. Editores da grande mídia conhecem perfeitamente essa situação. Se a limpeza étnica não tivesse sido filmada e compartilhada na internet, os principais veículos de comunicação ocidentais continuariam a ocultar os crimes de Israel. Como, aliás, historicamente, o fizeram.

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Francisco Fernandes Ladeira é professor da UFSJ, Doutor em Geografia pela Unicamp, autor e organizador de livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais – volume 2” (Editora Emó).