Sexta-feira, 13 de junho de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1342

Vídeos do deputado Nikolas iniciaram uma nova era na disputa política no Brasil 47434

(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Duas histórias que têm pontos comuns viraram manchete nos jornais e são uma oportunidade para a imprensa explicar aos seus leitores os rumos que a disputa política sinaliza para as eleições de 2026. A primeira história aconteceu na quinta-feira (8). O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), 28 anos, viralizou nas redes sociais um vídeo de seis minutos com a sua versão do escândalo do roubo de aposentados e beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS). O vídeo já teve mais de 130 milhões de visualizações e encurralou o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos. A exemplo do que já tinha feito em janeiro ado, quando sua versão mentirosa sobre o Pix teve 330 milhões de visualizações. A segunda história aconteceu na sexta-feira (9). O governador gaúcho Eduardo Leite, 40 anos, saiu do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ao qual era filiado havia 24 anos, e assinou ficha no Partido Social Democrático (PSD), do experiente articular político Gilberto Kassab, 64 anos. A intenção de Leite é concorrer à Presidência da República. Vai disputar a indicação do partido com outros três candidatos, os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), 49 anos, do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), 44 anos. e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), 75 anos.

Dito isso, vamos a nossa conversa. Mas antes um esclarecimento. Não me lembro de ter visto, numa campanha eleitoral, um candidato falar mal de si e bem do adversário. Isso não existe. Portanto, a mentira a que me refiro é aquela que a Justiça considera crime. Voltamos à conversa. As histórias de Nikolas Ferreira e Eduardo Leite se cruzam em vários momentos. Vou citar o que considero mais relevante. Os vídeos com versões mentirosas postados por Nikolas são o início de uma nova era na política brasileira. E a saída do governador gaúcho do PSDB é o fim de uma outra. Se for do interesse do leitor, informações sobre a história do Pix e do escândalo no INSS estão disponíveis na internet. Vou centrar a conversa na disputa política. No ano ado, na campanha eleitoral dos Estados Unidos, o então presidente Joe Biden (democrata), 82 anos, reclamava que o seu adversário, Donald Trump (republicano), 78 anos, era um grande mentiroso. Trump ganhou as eleições e teve o cuidado de só colocar no seu governo pessoas de sua estrita confiança para evitar ser boicotado como foi no seu primeiro mandato (2017 – 2021). Trocando em miúdos. Todos no governo apoiam as duas grandes mentiras que Trump contou para o mundo: a de que os imigrantes ilegais são um bando de bandidos, que inclusive comem os pets dos americanos. E que os países amigos e inimigos dos Estados Unidos inventaram a globalização da economia para saquear os americanos.

Trump tomou posse no dia 20 de janeiro. Nos seus primeiro 100 dias de governo transformou o mundo em uma imensa e perigosa confusão, como a imprensa tem documentado. Em fevereiro, publiquei o post Técnica de mentir de Trump será usada pela extrema direita em 2026 no Brasil. Evidentemente que será usada. E o candidato que Nikolas Ferreira apoiar será um grande problema para Lula em sua tentativa de reeleição. Por quê? A resposta é simples. De todos os parlamentares que usam as redes sociais para contar a sua versão dos fatos, Nikolas é o mais competente. No caso do escândalo do INSS, ele usa como matéria-prima para o seu vídeo fatos publicados pela imprensa. A mentira que ele conta é na relação que diz existir entre os fatos, e que na realidade não existe. Essa técnica não é nova. Foi muito usada durante a ditadura militar (1964 a 1985) no Brasil pelo extinto Serviço Nacional de Informações (SNI). A novidade é a maneira como o deputado conta a sua versão. Ele usa um tom de voz que lembra a sonoridade das antigas radionovelas. Interpreta o texto como se fosse um ator. Na história do INSS, no final a sua imagem foi envelhecida para lembrar os aposentados. Andei pesquisando a vida política do deputado. Ele é ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, e entrou na política em 2020 como vereador de Belo Horizonte (MG). No início da carreira, seguiu ao pé da letra o manual dos bolsonaristas. Usou as redes sociais para xingar, humilhar e contar mentiras sobre os seus adversários políticos e as minorias sociais e raciais. Nos dias atuais está no ápice da carreira. É considerado o deputado federal mais influente nas redes sociais no Brasil. Até onde irá esticar a corda nas eleições de 2026? Ele é advogado e sabe que as leis brasileiras e as americanas são diferentes. Os constituintes brasileiros fizeram a Constituição em 1988, que garante que o golpe de 1964 não irá se repetir. Os americanos nunca tiveram um golpe militar.

Como disse lá no começo da nossa conversa, a saída do governador gaúcho do PSDB significa o fim de uma era na política porque o partido deixará de existir. Deverá fazer uma fusão com o Podemos, afirmou Marconi Perillo, 63 anos, ex-governador de Goiás e presidente nacional do PSDB, que tem como símbolo um tucano e como número o 45. Com a fusão, o 45 será extinto. Os tucanos surgiram de um racha que houve no MDB em 1988 – material sobre o assunto na internet. Uma das suas principais estrelas foi o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, atualmente com 93 anos. FHC, como é conhecido, governou o país de 1995 a 2003, quando ou a faixa presidencial para Lula (2003 – 2011). Faz parte da política brasileira a história de que Lula deu prosseguimento às medidas econômicas e os projetos sociais de FHC. Até o governo (2011 – 2016) de Dilma Rouseff (PT), 77 anos, o PSDB polarizou com o PT a disputa pela Presidência da República. Em 2010, Dilma ganhou a eleição contra o tucano José Serra 83 anos. Na reeleição, em 2014, ela venceu Aécio Neves, 63 anos, na época uma estrela em ascensão dos tucanos.

É fundamental para os repórteres conhecerem o perfil da política deste período. A disputa era acirrada como é nos dias de hoje. Mas havia respeito aos grandes interesses da população. Há várias teses para explicar esta situação. Uma delas é que o país tinha ado por um trauma provocado pelos 21 anos de ditadura militar que deixou um rastro de pessoas torturadas, desaparecidas, mortas e presas ilegalmente, além de uma hiperinflação. Tudo começou a mudar com a eleição de Trump em 2016. Um dos seus assessores, Steve Bannon, 71 anos, montou uma máquina de fake news copiada da Alemanha nazista dos anos 30 que foi decisiva para a vitória de Trump. A máquina foi aperfeiçoada por Bolsonaro, que foi eleito presidente em 2018. Esta ruptura na maneira de fazer política foi tão violenta que encorajou Bolsonaro a tentar um golpe de estado em 2022, após ser derrotado por Lula nas urnas. E atualmente tentar aprovar uma lei que anistia os golpistas. Fazer todas essas ligações é fundamental para explicar ao leitor o que vem por aí.

Publicado originalmente em Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.